O diário secreto de Ângela Vasconcelos, Miss Brasil 1964

23/07/2017

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sábado, 22 de julho de 2017


SESSÃO NOSTALGIA – O diário secreto de Ângela Vasconcelos, Miss Brasil 1964


Daslan Melo Lima


Ângela Teresa Pereira Reis Neto Vasconcelos, Miss Paraná, Miss Brasil 1964, seguiu para Miami Beach levando a esperança de repetir o sucesso da gaúcha Ieda Maria Brutto Vargas, Miss Rio Grande do Sul, Miss Brasil, eleita no ano anterior Miss Universo 1963. Ângela Vasconcelos obteve destaque e ficou entre as semifinalistas (top 15) do Miss Universo 1964.


 


Diário Secreto de Miss Brasil, eis uma das chamadas da capa da revista O Cruzeiro, de 29/08/1964, Ano XXXVI, Nº 47, que circulou com quatro páginas contando, com as próprias palavras de Ângela Vasconcelos, como foi sua experiência no Miss Universo. Além da reprodução das páginas, transcrevi o texto na íntegra, respeitando a acentuação das palavras na época.


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O CRUZEIRO – EXCLUSIVO
Diário de uma vitoriosa derrotada
MISS BRASIL
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CONFIDENCIAL
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É a vez de Ângela falar, Miss Brasil-64, que levou a Miami o pêso das esperanças de milhões de fãs brasileiros, não parece – mas não parece mesmo – nem um pouco frustrada. Pelas páginas de seu diário, que “O Cruzeiro” divulga, se encontrará a verdadeira explicação. Ângela é o que era.
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Texto de Ângela Vasconcelos (Miss Brasil) – Fotos de Indalécio Wanderley
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Eis o diário da nossa Miss Brasil:


“Dia 22: De cima, céu limpo, eu via Miami Beach e Miami City – as duas cidades dêste pedaço tropical da Flórida. Tudo muito bonito, tudo novidade. Encontrei no aeroporto um calor que eu não achava possível existir. Ieda estava lá com a sua simpatia e o seu sorriso. Dei autógrafos aos brasileiros que me honraram com a sua presença. Falei com a recepcionista do Miss-U, e rumamos para o Shelborne Hotel.
Notei na viagem os “free-ways” excelentes. Não havia buracos na cidade. Nem um só. No hotel recebi a minha faixa e me apresentaram a Miss Nevada, minha “roomate”. Um caramelo de gente. Ficamos logo amigas. Ensinei a ela o que queria dizer “fofoca”. Mandaram-me repousar. Não aceitei a idéia. Preferi almoçar com as misses. Depois mergulhei na água americana da piscina. Lá já estavam os fotógrafos brasileiros, inclusive o afável Indalécio Wanderley e o sestroso baiano Gervásio Batista.
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Dia 23: Neste dia foi realmente que iniciei contatos maiores. Comecei a ver as misses, a senti-las. Observei, desde logo, uma certa impermeabilidade no Concurso, nas môças européias, orientais e americanas. Sómente as sul-americanas transmitiam alguma coisa, deixando escapar comunicação humana. Quando escrevo “impermeabilidade”, desejo significar o ar de seriedade bem educada das misses e dos funcionários do Miss-U. Eu me sentia assim como quem está em casa de cerimônia. Não cheguei a ficar à vontade.
Miss Nevada convidou-me a conhecer Las Vegas. Ela é fã de Frank Sinatra. Diz que o filho de Frank possui também voz encantadora. Deitei-me um pouco tarde. Fiquei de televisão vendo um trecho de ópera. Depois rodei para um filme de “cowboy”.
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Dia 24: Acordei, comi torradas, geléia e bebi um café fraquinho. Minha “hostess“ é um anjo falando inglês. Raramente diz “não” aos meus saimentos. Concordou em acompanhar-me até a piscina. Este sol daqui parece que é mais sol. Fiquei logo queimadinha. À tardinha estava eu a bordo de luxuosa carroçaria, ao lado de outras môças, numa das extremidades da Flagler Avenue. Estávamos ali para desfilar. Uma tagarelice de Babel, coisinhas em todas as línguas. Vi o gordinho repórter Ubiratan batendo fotos de Miss Israel. O desfile só começou com o escuro das 8 horas. Notei pouca gente na rua.
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Dia 25: Começo a perceber a falta de tempo para mim. Só há tempo para o concurso. Ah!, os ensaios! Enormes, massacrantes, mecânicos! Tenho agora que acordar com o canto subjetivo do galo americano. Às 7 horas já estou de “Convention Hall” para ensaiar. Eu e todas elas. 102 gurias do planeta Terra ali dentro, naquele quartel de aço e ar refrigerado. Nunca vi tanta organização na minha vida. Uma organização fanática a destes americanos. Tudo bem virgulado, um segundo para cada gesto.
Tive uma vontade forte de abrir uma brecha de indisciplina, de remexer na teia de aranha de Tio Sam. Dominei-me em nome do Brasil e de vocês. Aconselho a todas as futuras misses do Brasil que façam testes de paciência e boa-vontade. Não é que os americanos sejam impertinentes. Não diria uma inverdade destas. Mas as coisas muito organizadas são monótonas. Ou exigem muito de civilização que eu não tenho. Neste dia aprendi a admirar Miss Argentina, a que ficou nas 10 finalistas. Bela e excelente. Fizemos amizade em conversa curta.
À noite fui com as outras ao “Mahi Shrine Tenple”, uma espécie de teatro “society” de Miami. Foi a cerimônia inaugural do Miss-U, a chamada abertura. Tôdas nós estávamos de trajes típicos. O de Miss Tennessee era um vexame. Simplesmente meteu-se dentro de um fardo. Outra estava de urso. Gostei da festa, do público, das crianças que concorreram ao “Little Miss Universe”. A garotinha da Coréia, então, era um tico de graça. Fui dormir quase 3 da manhã. Fiquei de palestrinha com Miss Nevada, a quem contei o sentido da Revolução brasileira e coisas boas do nosso País.
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"Miss Brasil e Miss Israel, boas amigas."


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Dia 26: Hoje o dia amanheceu ainda mais atraente porque não houve ensaio no “Convention Hall”. Fomos ao “Seaquarium” em rodada de passeio. Outras foram para o Jardim Japonês, um parque tipo Atêrro da Glória. Fiquei vendo tubarões comendo enormes pedaços de carne. Êles me pareceram piranhas gigantescas, tal a voracidade do gesto de comer. Apreciei a inteligência dos botos e das baleias. Pode haver peixe burro, mas aquelas baleias e aqueles botos eram sem dúvida intelectuais. Deram um “show” de acrobacias. Dormi cedo, porque os programas de TV não me prenderam a atenção.
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Dia 27: Foi o dia mais duro, mais cansativo. Um dia em que acordei às 6 da manhã, e foi um tal de vestir maiô e traje típico até às 6 da tarde. Às 8 tôdas nós tiramos a fotografia panorâmica, e nos vimos – umas às outras - de maiô. Podemos calcular melhor nossas possibilidades em relação ao Júri. Desde logo marquei as Misses Israel, Japão, Islândia, Malásia e China – para mim as melhores.
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Dia 28: Hoje foram escolhidas as semifinalistas americanas. Não concordei com a não-classificação de algumas. Havia louras lindas que ficaram de fora. Gostei do “show”. O Concurso daqui é mesmo “show”. As misses são figurantes, intercalando quadros ótimos de teatro de revista. Alguns brasileiros disseram a mim que o meu penteado não estava bom. Discordei. É o melhor que me fica. Já tentei outros.
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"As gregas são assim. A beleza de Miss Universo 1964, Kiriaki Tsopei, trouxe, nos tempos novos, de volta à Grécia, o têrmo padrão universal"
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Dia 29: Elegeram Miss EUA. Havia outras mais belas. A môça do Alabama, por exemplo. Vi Miss Áustria de nervos em briga: questão da programação picada. A loura de Viena não resistiu e abriu a comporta das lágrimas. Não registrei nada mais de importante neste dia. Achei um tempinho para comprar um lenço colorido na esquina.
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Dia 30: Acordei um pouco nervosa. Hoje eles escolherão as semifinalistas internacionais. Isto quer dizer que serei julgada, analisada, votada ou não. Eis-me, afinal, na frente do Júri, desfilando na passarela rubra. Ouço palmas, e penso que deve ser o pessoal lá de casa, do Brasil, em função da torcida. Alguém em português falou: “Levanta mais um pouco a cabeça!” Aceitei o conselho. Foi com satisfação que escutei o meu nome silabado para as semifinalistas. Bem, pelo menos não tinha ficado totalmente de fora.
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Dia 31: Hoje êles riscaram o “Convention Hall” do programa. Declararam feriado para as misses. Permaneci longamente na piscina, no diálogo da água e das minhas pequenas idéias. Sempre achei a água respeitosa, uma das coisas com quem me dei muito bem em Miami. À noite eu, minha mãe e amigos brasileiros arriscamos uma boate. Uma oportunidade de fuga, de esquecer o sábado da coroação.
Tivemos, entretanto, de deixar a boate, a convite, mais ou menos amigável, da direção do Concurso. Eu tinha de me convencer de que estava dentro de uma jaula côr-de-rosa. Eu prezo tanto a liberdade! Sempre me habituei a fazer o que quero, e sempre quero o razoável. Não gostei de sair da boate. Não gostei mesmo.
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Dia 1: Hoje é o fim da linha. Terei de saltar do Miss-U ou viver dentro dêle durante um ano. É evidente que lutarei, se é possível em matéria de beleza, para fazer alguma coisa além do absolutismo da plástica.
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De cima para baixo: 1 - Miss Inglaterra. "Segunda colocada no Miss Universo 64, Brenda Blackler, não é, segundo Ângela, merecedora." ***** 2 - "Ronit Rinat ganhou um terceiro lugar para Israel. Abençoada beleza. Sangue do Povo de Deus". ***** 3 - "Siv Marta Aberg, no 4º lugar, beldade sueca." ***** 4 - "Lana Yi Yu (chinesa) 5º lugar."
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Dia 2: Procurei largar de dentro de mim o filão nobre que todos nós temos. Fui a mais conversadeira das Misses, a mais penetra-no-coração-dos-outros. Que poderia fazer além disso? A verdade é que fiquei de lado. Não entrei nas cinco. Estremeci quando o mestre-de-cerimônias não timbrou o meu nome. Mas logo me recuperei, pois estava psicològicamente preparada para qualquer surprêsa – boa ou má. Não acredito que o penteado tenha influído desfavoràvelmente no Júri. Eu conhecia todos os juízes. Falei com eles. Por que seria o penteado responsável por não ter chegado eu até às cinco finalistas?
Nos bastidores falei com Miss Israel. Disse-me ela: “Êles não me elegeram porque eu sou israelita”. Argumentei em contrário. Não poderia ser isto. Foi mera questão de não saber julgar bem. Miss Áustria passou chorando rente a mim. Consolei-a. A chinesa estava uma fervura de alegria. Abracei-a. Até a grega eu fui cumprimentar, embora discordasse da coroa na cabeça dela. Mas à inglêsa eu não consegui dizer “congratulations”. Não aprendi a fingir demasiado. É muito forte para mim.
Digo aqui, com franqueza do Paraná: não aprovei a decisão do Júri. Não que quisesse para mim o título. Mas a grega não merecia a primeira colocação. Israel era, e é, melhor que ela. Tampouco a Miss Suécia deveria chegar ao “five” finalista. Ela não possui dentes de miss. E a inglêsa, nem se fala. Ainda não posso crer que ela tenha tirado o 2º lugar. Foi uma espécie de perde-ganha no “Convention Hall”.
Escrevo isto sem inveja delas. Escrevo como observadora, e não culpo a direção do Miss-U pelo insucesso da escolha. Julgar, eis um verbo de difícil conjugação. Posso garantir aos que me lêem que levo saldo positivo. Muita experiência e um gôsto bom dos Estados Unidos. Gostei de apertar as mãos de Tio Sam, mas não conseguiria morar na sua casa. Louvo a democracia americana, o confôrto do povo, a funcionalidade da vida. Observei, entretanto, uma certa impessoalidade nas pessoas, um tom de neutralidade, de cimentação da alma. Creio ser o drama da máquina sobre a pessoa humana, o massacre da essência da vida.
Não me chamem de “snob”, mas Aldous Huxley escreveu sobre essa fronteira da civilização moderna. E o meu Exupéry também: “Só o homem constrói a sua solidão”. Noto que os americanos precisam novamente pisar descalços no chão. Êles são ótimos, e vivem no maior país do Mundo. Peço desculpas pelo diário. Foi escrito sem tempo, nos intervalos do programa. Foi escrito sem o zêlo da discrição exagerada. Deixei aqui boa dosagem de sinceridade tropical, embora, na realidade, viva numa cidade (Curitiba) que quase nada tem de tropical. Até já,
Ângela.”
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"A muito rôgo, Ângela aceitou posar penteada com os cabelos para o alto. É o tira-teima, diz ela. Os leitores que julguem, embora tarde."
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"Ângela aceitou a derrota com espírito de vitória. A menina paranaense é esportiva mesmo. Pensando bem, é possível que seja mais feliz assim, livre de ser acorrentada a um programa de 365 dias - ela que tanto preza a liberdade."
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Na fria noite pernambucana deste sábado de julho, “viajei no túnel do tempo" com Ângela Vasconcelos, a linda e culta Miss Brasil 1964, através das páginas da revista O Cruzeiro. Concordando ou não com alguns resultados dos concursos de misses, o sonho continua. Moças lindas de todas as partes do mundo ainda sonham pisar numa passarela em busca do título de a mais bela.


http://passarelacultural.blogspot.com.br/2017/07/sessao-nostalgia_22.html

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